segunda-feira, 3 de março de 2008

Pela liberdade de respiração da epiderme

Não é novidade que o espaço do mundo coorporativo é um ambiente de estranhamento. Pura irracionalidade racionalizada. Coisa que quem acha bonita uma avenida como a Berrini ou a Faria Lima em São Paulo talvez não entenda. A "beleza" de suas fachadas envidraçadas esconde para muitos a natureza peçonhenta desses não-lugares.
Também estranho ao humano é o espaço interior desses prédios, no qual os próprios colegas agem como fiscais, e a baia individual não esconde o rosto cansado e entediado do trabalho alienado. O ar condicionado e as janelas que não abrem são um exemplo do controle do espaço. Não parece existir lacuna para o diferente. E a dominação também se estende ao vestuário.
Alguns dirão que o terno é a roupa da pessoa bem sucedida. Não discutiremos no momento esse conceito bizarro no qual sucesso se traveste de obrigação e labor. Deixemos isso de lado e vamos diretamente à análise de certos fatores: porque a calça, a camisa e o sapato são obrigatórias aos homens? Porque não a bermuda, a camiseta regata e o chinelo? Em um país tropical como o Brasil nada mais contraditório do que a Vila Olímpia às 9 horas de uma manhã de fevereiro, com suas centenas de executivos que parecem terem saído de um molde. Enquanto isso as mulheres estão liberadas (e em alguns lugares obrigadas) a fazer uso de saias, vestidos sem manga e sandálias. Vejam bem caros colegas, não quero iniciar uma guerra de gêneros. A questão é muito mais primordial e ao mesmo tempo superficial do que isso. Superficial inclusive é um termo bem apropriado.
O que difere os homens das mulheres nessas superfícies corporais que por um lado devem ser escondidas por uns e mostradas por outras? Já lhes digo: o pêlo!
A civilização pode ser resumida em um termo: controle. Controle como distanciamento da condição animal do humano. Controle das pulsões. Controle do espaço-tempo. Tudo o que é considerado "irracional" passa a ser idealizado, distanciado de toda a sua verdade e transformado em mentira, no contrário de si mesmo. É a racionalização da sociedade que torna irracional tudo o que é verdadeiramente humano. Já disse que o mundo coorporativo é uma das expressões máximas desse processo. Quando é que algo tão natural, tão gutural aliás, como o pêlo poderia ter lugar nesse não-lugar? A lembrança de que somos algo além de trabalho deve ser evitada a qualquer custo, escondida atrás de roupas ou simplesmente raspada e depilada. A barba é quase uma anomalia, e quando aparece está estilizada. O cabelo, com sua função historicamente estética não entra nesse quesito, é algo tolerado enquanto não excede um comprimento específico. É o mundo sem cheiro, sem gosto, sem sexo, sem graça.
E como é que engolimos que "a vida é assim mesmo"?
Isso não tem nada a ver com vida.

Nenhum comentário: